Friday, May 6, 2011

Nativos digitais versus imigrantes digitais: a controvérsia



Tapscott (2008) foi dos primeiros autores a investigar o comportamento da chamada geração Y ou geração milénio (pessoas nascidas depois de 1980), considerando que por meio dos media esta geração vai acabar por impor a sua cultura à sociedade. A investigação pioneira deste autor, em 1996, deu lugar a um novo estudo em 2008, por considerar que muito se alterou desde o primeiro estudo e resultou no livro Grown Up Digital: How the Net Generation is Changing Your World, onde tenta quebrar os estereótipos negativos ligados a esta geração.
“Digital natives, digital immigrants” é o título de um texto escrito por Marc Prensky (2001a), onde introduz os conceitos de nativos digitais e de imigrantes digitais. Para ele os nativos digitais são os jovens que nasceram com a tecnologia e são fluentes na linguagem digital dos computadores, dos jogos de vídeo e da Internet. Os imigrantes digitais são aqueles que falam a linguagem digital mas com “sotaque” e que mostram dificuldade em compreender e expressar-se digitalmente. A este autor causa-lhe estranheza que nos debates sobre o declínio da educação nos EUA se ignore uma das causas fundamentais do problema, a mudança radical do público que frequenta os sistemas de ensino (Prensky, 2001a).
Segundo Prensky (idem) o maior problema são as diferenças que há entre as necessidades dos nativos digitais e as decisões educativas tomadas pelos imigrantes digitais “our Digital Immigrant instructors, who speak an outdated language (that of the pre-digital age), are struggling to teach a population that speaks an entirely new language” (p. 2). Na sociedade da informação e do conhecimento é a fronteira digital que separa os nativos dos imigrantes. Actualmente, as políticas educativas são programadas e geridas por imigrantes digitais para nativos digitais. Esta situação é alvo de inquietações para vários autores (Kukulska-Hulme & Traxler 2005; Prensky, 2001a; Waycott, 2004), na medida em que o futuro da educação está a ser pensado e regulado por imigrantes digitais, com todas as consequências que daqui advêm. Conseguirão eles planear uma educação que satisfaça as necessidades dos nativos digitais?
Para Prensky (2001a) há um desfasamento no seio da escola entre os aprendentes (nativos digitais) e os educadores (imigrantes digitais). Porque a escola não aproveita as competências desenvolvidas pelos nativos digitais, que são muitas vezes desconhecidas ou pelo menos estranhas para a maioria dos professores, imigrantes digitais, que não conseguem entender que os seus alunos possam aprender com sucesso enquanto vêem TV ou ouvem música, porque eles próprios nunca desenvolveram esta competência. Uma população escolar com estas características torna, cada vez mais, difícil o processo de ensino e aprendizagem aos nativos digitais que estão no sistema educativo, se continuarmos a utilizar as metodologias tradicionais .
Segundo Prensky (2001a) é pouco provável que os nativos digitais voltem atrás, porque os seus cérebros estão diferentes. Acreditar neste retrocesso vai contra o que se sabe sobre a chamada “cultural migration” que revela que as crianças nascidas numa nova cultura aprendem o novo idioma facilmente e resistem fortemente a usar o antigo . É pois, urgente, enfrentar esta questão e ter em consideração, tanto metodologias, como conteúdos. Mudar as metodologias em primeiro lugar e aprender a comunicar na linguagem e estilo dos nativos digitais, sem nunca deixar de lado o que é importante, como diz Prensky (2001a), pois primeiro está a pedagogia e depois a tecnologia.
Piscitelli (2009), no seu livro “ Nativos digitales. Dieta cognitiva, inteligencia colectiva y arquitecturas de la participación”, retoma os conceitos de Prensky para uma chamada de atenção sobre o facto de nos encontrarmos frente a uma situação paradoxal, em que os professores são preponderantemente imigrantes digitais (da era pré-digital), mas estão a tentar ensinar a uma população que fala uma linguagem totalmente diferente, incompreensível para eles. Isto cria uma rejeição por parte dos nativos digitais quando se lhes pretende ensinar com metodologias passadas. O que fica expresso nesta obra é que não há dois mundos: o digital e o analógico. Estas são as novas maneiras de participação, são os novos formatos, são os mundos em que vivemos colonos, nativos, imigrantes e excluídos.
Há, actualmente, um discurso que assinala que as instituições educativas se tornam irrelevantes e ficarão desfasadas se não mudarem as suas práticas educativas e se adaptarem à Geração Net ou aos nativos digitais (Prensky, 2001a; Tapscott, 1998, 2008). No entanto, os conceitos apresentados por Prensky têm vindo a ser alvo de controvérsia.
Segundo Kuklinski (2010) é falso e carece de apoio teórico profundo e investigação empírica o argumento de que há “uma nueva generación de alumnos con habilidades sofisticadas para las quales los profesores no están preparados” (p. 116). Este autor apresenta um conjunto alargado de argumentos, sustentado em estudos realizados, que confirmam as contradições “en el discurso del liderazgo digital de la Net Generation” (idem, p. 119). Kuklinski recorda que o ecossistema digital foi criado maioritariamente pelas gerações precedentes, Geração X e Baby Boomers. Gladwell (2008) reforça esta ideia e assinala que os Boomers inventaram a Internet e a maioria dos referentes da indústria tecnológica pertence a esta geração e não à Geração Net.
A discussão à volta da noção de “nativos digitais” tem levantado uma série de questões. Será que as crianças nascidas durante a era da Internet assimilam as tecnologias digitais intuitivamente? Serão os estudantes de hoje assim tão naturalmente fluentes na linguagem e usos da tecnologia digital, ou estarão mais ou menos como o resto dos imigrantes digitais, que tiveram que trabalhar arduamente para pôr os computadores a trabalhar para todos? Kuklinski (2010) não está convencido da fluência digital das gerações mais jovens. Para este autor, os nativos digitais utilizam de forma limitada as plataformas colaborativas, desperdiçando grande parte do seu potencial, carecem de curiosidade pela autoformação, sofrem de dispersão, têm falta de compromisso com os estudos e escassa ética do esforço. Carecem de leitura crítica dos recursos pesquisados na Web, sendo difícil para eles encontrar textos significativos para executar uma tarefa específica. Isto levanta a questão da necessidade de uma information literacy (Lorenzo & Dziuban, 2006). Segundo Kuklinski (2010) é errado atribuir toda a responsabilidade da mudança pedagógica aos professores, como assinala Prensky (2001a).
Sendo verdade que os professores devem refinar-se no uso das tecnologias e conhecimento de técnicas de blended learning (Bartolomé, 2008), incorporando situações de presencialidade e formação a distância e adaptando as tecnologias às necessidades de objectivos a atingir, também é verdade que os alunos devem assumir a sua parte de responsabilidade na sua formação. Esta responsabilidade vai para além de um comportamento passivo, de sentar-se na sala, apenas a ouvir o professor, tomar notas e realizar provas de avaliação. É necessário uma coevolução participativa e emergente entre todos os actores educativos. É errado pensar que se vai encontrar nas TIC todas as soluções para a complexidade que envolve o processo educativo.
Também um estudo realizado por Bennett et al. (2008) questiona a ideia de uma geração diferente e duvida que haja necessidade de uma mudança profunda nos planos de estudo com o fim de os beneficiar. Para estes autores o argumento sobre nativos digitais disruptivos e professores analógicos pouco adaptados tem sido repetidamente reproduzido, porém sem uma evidência empírica que o sustentasse. Acreditam que a mudança de prática geracional que se vive por intermédio das TIC é um processo evolutivo, mas não um facto revolucionário que requeira uma profunda reconfiguração da educação formal. Embora os jovens integrem práticas digitais no quotidiano, não há evidência de uma cisão com as metodologias educativas clássicas.
Para Kuklinski (2010) a Geração Net é provavelmente a geração mais alfabetizada na história, possui certas capacidades que a coloca numa posição privilegiada na sociedade do conhecimento. Porém, para este autor, isso não significa que seja a melhor preparada da história, nem tão pouco converte os seus membros em melhores e mais eficientes educandos. A dispersão cognitiva e a falta de capacidade para se ligar com conhecimentos complexos, como a ciência, parecem afectar a sua produtividade.
É preciso ver a questão dos dois lados. Mas o que parece acontecer é que muitos estudantes não chegam à escola tão familiarizados com o software ou aplicações como se esperava. Há alguns indivíduos sempre curiosos em saber como funciona o software, querendo explorar as suas diferentes possibilidades e são estes que se tornarão mais proficientes na sua utilização, são os “nativos expert” como lhes chamam Pachler et al. (2010). Porém, a maioria dos indivíduos utiliza as funções básicas do que lhes é dado a conhecer, não indo muito além disso.
O que se verifica, também, é que o imigrante digital prefere continuar a experimentar os programas que conhece e explorar amplamente as suas potencialidades, enquanto que o nativo digital parece estar mais disposto a experimentar o que é novo e desconhecido. Isto talvez não seja devido a um conhecimento inato do funcionamento interno do software, mas porque estão acostumados a ver e a querer experimentar coisas novas que saem regularmente. Outro ponto de vista, é que o novo software ou gadget se ajusta tanto quanto possível às interfaces anteriores e, por isso mesmo, a necessidade que os nativos têm de se adaptar a algo novo minimiza-se. O mesmo acontece com a transferência de interfaces de uma dada tecnologia para outra, não obrigando a novas aprendizagens do utilizador quando usa uma e outra (exemplo disto são alguns telemóveis com a interface da PSP). De uma forma geral, será sempre uma minoria a estar disposta a assumir risco e a inovar.
Scanlon num artigo publicado num jornal australiano “The natives aren’t quite so restless” , em 2009, apresenta também uma visão crítica à existência dos chamados “nativos digitais” e as implicações que acarretam ao ensino de tecnologias na universidade. Este autor, considera que os nativos digitais são a excepção e não a regra. Enquanto que a maioria dos alunos está familiarizado com o e-mail, o telemóvel e processador de texto, poucos têm um blogue e nem sequer parecem saber usar o Flickr. Muito poucos, sabem fazer os seus filmes digitais ou criar mash-ups e apenas uma minoria fez uma página Web ou usou outro software de design. Alguns dos seus alunos universitários ainda estão a aprender como pesquisar adequadamente no Google e preferem perguntar ao professor as respostas do que procurar no motor de busca. A sua constatação é de que muitos destes nativos digitais enfrentam as mesmas frustrações que os mais velhos, imigrantes digitais. Não considera que as competências digitais dos seus alunos sejam grandes, encontra-as normais, uma vez que como alunos estão num processo de conhecimento de como usar efectivamente a tecnologia. Também não considera que os seus alunos sejam fora do normal, pois numa universidade do Oeste de Sydney, alunos assinaram uma petição contra a substituição de mais de metade do ensino presencial por unidades em podcast.
A controvérsia à volta do conceito “nativos digitais”, fez Prensky (2009) desvalorizr a sua invenção terminológica (nativos versus imigrantes) em relação aos tempos actuais e passar a falar em sabedoria digital (digital wisdom), definindo-a como um conceito de dupla entrada, capaz de aludir às capacidades cognitivas dos indivíduos para utilizar as tecnologias, bem como à prudência e pertinência do seu uso. Esta nova versão teórica afirma que esta sabedoria não se encerra num tempo preciso, ela evolui constantemente.

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